FILOSOFIA DO DIREITO - Primeiro Bimestre



O primeiro texto trabalhado foi uma conferência ministrada por Michel Foucault, em uma de suas visitas ao Brasil. Foucault é um filósofo pós-estruturalista que tem como centro de seu pensamento a análise crítica do Poder.


A VERDADE E AS FORMAS JURÍDICAS - Foucault, M.


Contexto: 

Formulação de nova mentalidade:

  1. Positividade da natureza: Torna-se um problema explícito, a natureza se torna uma coisa despersonificada

  2. Abstração: Ocorre um descolamento da essência de seus acidentes (características, atributos), em que podemos compreendê -las sem buscar a essência das coisas

A história de Édipo Rei simboliza essa passagem na construção do saber no Ocidente, segundo Foucault


  1. O jogo de provas como prática judiciária:

Remonta à Ilíada, na contestação entre Antíloco e Menelau, na ocasião de uma corrida. Antíloco chega primeiro, e Menelau contesta ao júri que Antíloco cometeu uma irregularidade.

  • Na corrida, foi colocada uma testemunha que deveria "ser responsável pela regularidade da corrida", mas ela não é invocada para resolver a contestação - Menelau lança o desafio à Antíloco, para que ele jure, diante de Zeus, que não cometeu irregularidade. Diante desse desafio de prova, Antíloco desiste, e reconhece sua irregularidade

  • VERDADE JURÍDICA É ESTABELECIDA PELO DESAFIO (que o desafiado deve assumir o risco - nesse caso, a manifestação divina de Zeus, ou renunciar ao risco)  E A TESTEMUNHA É IGNORADA

Já em Édipo Rei:

  • Modelo de jogo de prova aparece, mas não é central: Foucault ressalta quando Édipo aceita o desafio de livrar Tebas da maldição em consequência do assassinato, exilando o culpado, e assim, se implica no seu próprio juramento


b) Mas a verdade SÓ É REVELADA em Édipo Rei através da LEI DAS METADES:

  • "É por metades que se ajustam e se encaixam que a descoberta da verdade procede em Édipo" (p. 34)

  • Separa-se o que estava junto:

  • Metades entre Oráculo e Tiresias/ Jocasta e Édipo/ Escravos e Pastores

  • O Oráculo de Delfos transmite a mensagem do assassinato do rei anterior, Laio. Para buscar a outra metade, recorre-se ao "duplo de Apolo, seu duplo humano, sua sombra mortal" (p. 34), que é o adivinho Tirésias.  "mas é perecível, enquanto Apolo é imortal, e sobretudo ele é cego, está mergulhado na noite, enquanto Apolo é o deus do Sol. Ele é a metade de sombra da verdade divina, o duplo que o deus luz projeta em negro sobre a superfície da Terra. É esta metade que se vai interrogar" (p.35)

 

 Foucault afirma que desde a segunda cena de Édipo, a verdade está  apresentada, mas na forma da oralidade mitica - “na forma prescritiva e profética que é característica ao mesmo tempo do oráculo e do adivinho" (p. 35) 

 

  • Faz-se necessário buscar a verdade através dos testemunhos das metades - só assim Édipo e o povo irão verificá-la, vê-la com seus próprios olhos e crer: “a lembrança e o discurso dos homens são como que uma imagem empírica de grande profecia dos deuses." (p. 40) = NASCIMENTO DO INQUÉRITO, forma de busca da prova (épreuve), a partir da memória e investigação

  • resuminho da história:  as metades das lembranças de Jocasta e Édipo confirmam que  Laio foi morto em um entroncamento de três caminhos - verdade do assassinato de Laio é quase completa. Falta o fragmento da predição, de que Laio seria morto por seu próprio filho. Através do testemunho do escravo de Corinto, e do escravo de Citerão, é então revelado que Édipo não era filho de Políbio, e sim de de Laio e Jocasta

 

"O poder se manifesta, completa seu ciclo, mantém sua unidade graças  a este jogo de pequenos fragmentos, separados uns dos outros, de um mesmo conjunto, de um único objeto, cuja configuração geral é a forma manifesta do poder" - "Essa é a técnica jurídica, política e religiosa do que os gregos chamam o símbolo (σύμβολον / symbolon)

 

c) PODER E SABER: (professora Angela não abordou e não vai cobrar na prova, ficam as citações a título de curiosidade mesmo)

  • "Saber e poder eram exatamente correspondentes, corrrelativos, superpostos." (p. 49)

  • " O que aconteceu na origem da sociedade grega, na origem da idade grega do século V, na origem de nossa civilização, foi o desmantelamento desta grande unidade de um poder político que seria ao mesmo tempo um saber" (p. 50)

  • "Sófocles representa a data inicial, o ponto e eclosão - o que deve desaparecer para que esta sociedade exista é a união do poder e do saber. A partir deste momento o homem do poder será o homem da ignorância." (p. 50)

  • "Com Platão, se inicia um grande mito ocidental: o de que há antinomia entre saber e poder. Se há o saber, é preciso que ele renuncie ao poder." (p. 51)

  • "[..]por trás de todo saber, de todo conhecimento, o que está em jogo é uma luta de poder. O poder político não está ausente do saber, ele é tramado com o saber. " (p. 51)


Exemplo de questão: Como Foucault interpreta a história de Édipo em relação ao surgimento do inquérito jurídico, e quais são suas consequências para o Direito no Ocidente? 


Foucault interpreta a história de Édipo como o surgimento do inquérito jurídico. Contrapondo-se à prova baseada no desafio (jogo se provas), e indo além das revelações divinas, o inquérito se fundamenta no testemunho, permitindo que a verdade seja estabelecida de modo empírico pela memória da testemunha. No caso da tragédia edipiana, esse movimento se dá através da Lei das Metades, entre deuses, reis e escravos (Oráculo e Tiresias, Jocasta e Édipo, Escravos e Pastores), que mediante a investigação de Édipo, revelam que ele é o assassino que procura. Foucault destaca  consequências diretas desse procedimento juridico no Ocidente: a  modificação nas relações de poder (a verdade não é mais detida pelas figuras de poder) o aprimoramento das buscas por provas e da retórica, e principalmente um novo modelo de conhecimento baseado na memória e na investigação, centrado nos mecanismos judiciários do inquérito e do testemunho - faz-se necessário comprovar empiricamente a verdade.


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Platão é o primeiro sistematizador da Filosofia Ocidental: em suas obras, que são em sua maioria diálogos em que Sócrates é um dos personagens, Platão estabelece a natureza humana e um modelo ideal de virtude e sociedade guiada pela Filosofia


Trabalhou-se em aula a filosofia platônica a partir de 3 pilares - Alma, Ideia e Justiça, em consonância como o Capítulo V, VI e VII da República 


  1. Alma

Platão concebe a alma como imortal, originária do mundo das ideias, e dividida em 3 partes (racional, irascível e concupscivel). Cada parte da alma tem sua função específica e opera em diferentes níveis de virtude e conhecimento.


Parte Racional - razão 

  • A parte  mais elevada, que busca a verdade e a sabedoria.

  • É responsável pelo pensamento lógico, pela contemplação das formas ideais e pelo discernimento do que é verdadeiro e eterno.


Irascível - coragem

   - A parte espiritual da alma é intermediária entre a razão e o apetite.

   - Ela governa as emoções, como coragem, raiva e desejo de honra.

   - Pode ser disciplinada pela razão ou dominada pelas paixões 


Parte Concupscivel - temperança

   - A parte apetitiva da alma é voltada para os desejos materiais e físicos, como fome, sede e desejo sexual.

   - É a parte da alma que busca a satisfação dos impulsos e das necessidades básicas do corpo.


MITO DO COCHEIRO (Presente no diálogo Fedro):

Platão compara a alma humana a um cocheiro (representando a razão) que guia um coche (representando o corpo e a vida humana) puxado por dois cavalos alados

  • Um cavalo é branco e tem um grande pescoço, bem criado e educado  (representa impulsos morais, coragem) O outro é preto, mal alimentado e mal educado (paixões irracionais)

  • O condutor dirige a biga/alma tentando impedir que os cavalos sigam direções opostas e que sigam rumo à luz

   

 CUIDADO DA ALMA (governo de si)

   - A imagem do cocheiro representa o desafio do autocontrole humano, que precisa controlar os cavalos para evitar que sigam caminhos desordenados e destrutivos. 

- A filosofia seria o guia, o remédio da alma capaz de equilibrar as partes (=justiça, como veremos a seguir)

- Quando não se governa a si mesmo, desenvolvem-se as paixões 


CONVERSÃO DA ALMA:

   - A jornada do cocheiro também simboliza a busca humana pela verdade e pela sabedoria.

   - O cocheiro, através do controle dos impulsos e desejos, busca direcionar o coche para alcançar a verdade - através da filosofia

- Alcança-se o conhecimento por meio da reminiscência/ascese das verdades presentes no mundo das ideias (a alma é capaz de rememorar, pois é imortal)


  1. O QUE É A JUSTIÇA?

A Justiça é Forma perfeita, uma Ideia, e suas manifestações no mundo físico são imperfeitas. É a virtude das virtudes, 

  • Justiça se dá no equilíbrio na sociedade, e dentro da alma humana


Justiça em Sociedade:

  • está presente em cada uma das classes quando realizam suas ações de acordo com as funções que são próprias.


Divisão conforme aptidões  na República (a sociedade perfeita, segundo Platão):

  •  Classe dos Filósofos (classe dominante, dos governantes): Representantes da razão

  • Guerreiros (defensores): Representante do espírito, 

  • Classe dos trabalhadores (agricultores, artesãos): Nível mais baixo, atendem às necessidades materiais e físicas da sociedade


Assim, o governante ideal é o Rei Filósofo: 


Não há Estado, nem governo nem sequer um indivíduo que do mesmo modo possa jamais se tornar perfeito, antes que a esses filósofos pouco numerosos a que agora chamam, não perversos, mas inúteis, a necessidade, saída das circunstâncias, os force, quer queiram quer não, a ocupar-se do Estado, e que este lhes obedeça; ou antes que um verdadeiro amor da filosofia verdadeira, por qualquer inspiração divina, se apodere dos filhos ou dos próprios homens que estão atualmente no poder ou ocupam o sólio real. Dizer que uma ou outra destas hipóteses é impossível de se dar, ou nenhuma delas, acho que não há razão para tal. Se assim fosse, seria justo que troçasse de nós, por não passarmos, nas nossas conversas, de meras fantasias. (PLATÃO, 1993: 291)


  1. O QUE SÃO AS IDEIAS?


  • Ideias (ou "Formas") são as essências eternas e imutáveis das coisas do mundo sensível. O que se pode ver no mundo físico são apenas manifestações imperfeitas das ideias.

  • Conceber é alcançar as definições nas ideias, através da concepção inteligível 


luz e visão:

   - Assim como a luz ilumina o ambiente, a verdade ilumina a mente humana.

   - A visão é usada por Platão para simbolizar a capacidade da alma humana de compreender e contemplar as ideias.

   - Platão compara as percepções sensoriais no mundo físico às sombras e reflexos das ideias eternas (mito da caverna)

   - Da mesma forma que a visão é limitada na escuridão, a compreensão da verdade é obscurecida pelos sentidos e pelas paixões 


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A SUBJETIVIDADE MODERNA: 


  • Autonomia da Razão:

A Razão se torna pouco a pouco independente da Fé e da Metafísica, para poder compreender o mundo e guiar a conduta moral por si


  • Individualismo:

A ênfase no indivíduo como fonte de conhecimento e moralidade levou a autonomia e liberdade pessoal.


  • Busca pela Verdade - A Ciência Moderna:

Preocupações epistemológicas quanto à produção do conhecimento, acerca do que precisa ser superado e estabelecido para que se alcance uma verdade objetiva.



Descartes é o filósofo essencial para a construção da ciência moderna e da razão, pois busca fundamentar  uma nova ciência

Trabalhamos com o texto das Meditações, no qual ele busca um fundamento firme para as ciências.


MEDITAÇÕES I e II: 


Meditação Primeira: Sobre as Coisas que podem ser postas em dúvida

Descartes derruba todas as opiniões nas quais tinha confiado, como forma de 

encontrar algo de firme e permanente nas ciências

  • Para isso, irá atacar os princípios sobre os quais as opiniões estavam construídas - movimento negativo


 Primeiro, ele abandona as impressões obscuras e problemáticas dos sentidos, pois elas já o enganaram previamente


Parágrafo 3 -  Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos sentidos: ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram engano-sos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez


Restam as impressões claras e distintas. Para derruba-las, Descartes parte para o argumento do sonho


 Nos parágrafos 5 e 6, Descartes argumenta que o sonho é uma fantasia, mas que frequentemente os humanos não conseguem distinguir sonho de realidade. 

O sonho é indício que a mente não é capaz de distinguir realidade e ilusão 


“Desse gênero de coisas são a natureza corporal em geral, sua extensão, a figura das 

coisas extensas, sua quantidade e grandeza, seu número, onde existem, o tempo que 

mede sua duração e semelhantes” (par. 7)


Matemática e Aritmética e ciências dessa natureza = tratam das coisas mais simples 

e gerais, sem se preocupar se existem na natureza: 2+3 = 5, esteja acordado ou 

dormindo. Para derrubá-la, Descartes recorre ao argumento do gênio maligno


 Parágrafo 9 - Argumento do gênio maligno: Não se pode deixar de duvidar que exista um "gênio maligno" ou entidade enganadora que distorce nossa percepção da realidade, levando-nos a acreditar em falsidades. 


Aqui, a dúvida metodológica,  hiperbólica e metafísica chega no seu limite. Descartes percebe que, mesmo que tudo o mais possa ser questionado, a própria dúvida exige um sujeito que duvide, ou seja, o próprio eu pensante. Portanto, a existência da res cogitans é indubitável. Essa conclusão - cogito ergo sum; penso, logo sou - serve como fundação para a busca do conhecimento, e se concretiza na Segunda Meditação, parágrafo 5: 


Convenci-me de que não existe nada no mundo, nem céu, nem terra, nem mente, nem corpo. Isto implica que também eu não exista? Não: se existe algo de que eu esteja realmente convencido é de minha própria existência. Mas existe um enganador de poder e astúcia supremos, que está deliberada e constantemente me confundindo. Neste caso, e mesmo que o enganador me confunda, sem dúvida eu também devo existir… a proposição "eu sou", "eu existo", deve ser necessariamente verdadeira para que eu possa expressá-la, ou para que algo confunda minha mente.


ATENÇÃO! Nessa passagem, Descartes passa do modelo de princípios de silogismo (partem de verdades anteriores)  para princípios primeiros (estes se auto determinam)


Distinção entre a Mente e o Corpo:

- A Mente (Res Cogitans):  A mente é uma entidade que pensa e duvida. Sua existência é indubitável porque o próprio ato de duvidar prova a existência do pensador.

- O Corpo (Res Extensa): O corpo, como parte do mundo físico, pode ser duvidado. As percepções sensoriais podem ser enganosas, e o mundo físico pode ser uma ilusão


Argumento da Cera

Para esclarecer a diferença entre mente e corpo, Descartes considera um pedaço de cera:

- Quando a cera está em sua forma sólida, possui  forma, cor, tamanho, textura e cheiro específicos.

- Quando a cera derrete com o fogo, todos os seus atributos sensoriais mudam: sua forma, cor, tamanho, textura e cheiro

- Apesar dessas mudanças, Descartes reconhece que ainda é o mesmo pedaço de cera. É a mente, e não os sentidos, que entende a cera como uma substância que permanece:


Parágrafo 17: Ora, se a noção ou conhecimento da cera parece ser mais nítido e mais distinto após ter sido descoberto não somente pela visão ou pelo tato, mas ainda por muitas outras causas, com quão maior evidência, distinção e nitidez não deverei eu conhecer-me, posto que todas as razões que servem para conhecer e conceber a natureza da cera, ou qualquer outro corpo, provam muito mais fácil e evidentemente a natureza de meu espírito? E encontram-se ainda tantas outras coisas no próprio espírito que podem contribuir ao esclarecimento de sua natureza, que aquelas que dependem do corpo (como esta) não merecem quase ser enumeradas.


Critério de Verdade

- Percepção Clara: É presente e aparente para a mente. É imediata e autoevidente, como a consciência da própria existência.

- Percepção Distinta: É nitidamente separada de todas as outras percepções, e  contém em si mesma apenas o que é claro.

- Percepções claras e distintas são usadas 

 referência para determinar a certeza do conhecimento, e só podem ser percebidas pela mente, através da razão.






          Tenha uma boa prova! 


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