DISCIPLINA | Direito Civil |
REFERÊNCIA | Atividade agrária. Conceito clássico. Conceito moderno de Antonio Carrozza. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 94, p. 35–43, 1999. |
TRECHO | |
GRUPO | GEDC |
GRR | 20231273 |
1 RESUMO1
“Para o Direito Agrário é importante estabelecer uma noção do que seja a atividade agrária para delimitar seu campo de incidência, o conteúdo da matéria jurídico-agrária e seu objeto, além das fronteiras da disciplina, no conjunto das demais que formam a árvore do Direito.
Do ponto de vista científico é insuficiente considerar o Direito Agrário como o Direito da Agricultura, ou de seus profissionais, os agricultores, os trabalhadores ou ainda vinculá-los aos elementos que envolvem a atividade agrária como o solo, a água, a fauna, a flora, o clima (seq. 2.1).
Foi na biologia, no ciclo biológico como processo natural, evolutivo, orgânico, não artificial, sujeito a risco, que se foi buscar os elementos definidores da atividade agrária. É a moderna teoria da agrariedade (seq. 2.2)”.
2 TEXTO
2.1 A ATIVIDADE AGRÁRIA. CONCEITO CLÁSSICO
2.1.1 Neste primeiro parágrafo, o autor defende que é importante para a disciplina do Direito Agrário estabelecer a noção do que é exatamente a atividade agrária. Isto para delimitar o campo de incidência, as fronteiras e os limites da disciplina. Este ramo do direito está estreitamente relacionado com Direito Comercial, Industrial e também com Direito do Trabalho e Social.
2.1.2 Muitos agraristas possuem uma posição clássica que se consiste em vincular o Direito Agrário à Agricultura. Esta posição causa alguns problemas: 1. O risco de definição incompleta, 2. A mobilidade dos elementos que integram a definição, já que estes mudam por conta do constante progresso a aprimoramento tecnológico e 3. É difícil determinar até onde vai a atividade agrária e onde esta termina para dar lugar a atividade comercial ou industrial, por exemplo. Autores como Antonino Vivanco, Ballarin Marcial, Fernando Pereira Sodero e Francisco Malta Cardoso, buscando resolver esta questão, incluem atividades do tipo industrial e comercial como atividades agrárias “conexas/acessórias/assimiladas”. Isto deve ocorrer, segundo Vivanco, pois apesar da ênfase do Direito Agrário ser para a atividade agrária produtiva (cultivo de vegetais e criação de animais), essa área industrial, comercial e de transportes está tão ligada à produção agropecuária que, para evitar distorções, é melhor que seja regida por normas jurídico-agrárias.
2.1.3 Existem zonas cinzentas entre uma disciplina e outra. É difícil dizer onde uma começa e acaba.
2.1.4 O autor apresenta três definições de três autores diferentes sobre a atividade agrária (e essas definições estão sendo apresentadas para tentar solucionar o problema de definição de onde termina a atividade agrária e se começa a comercial ou industrial):
ANTONINO CARLOS VIVANCO | Forma de atividade humana tendente a lograr a produção agrária com o fim de obter o aproveitamento de seus frutos e produtos.
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RODOLFO RICARDO CARRERA2 | Processo agrobiológico de produção, realizado na terra pela mão do homem.
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FRANCISCO MALTA CARDOSO | Trabalho da terra para a produção primária de vegetais e animais, indispensáveis ou úteis à vida humana.
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2.1.5 Pela análise do Direito Agrário Brasileiro é possível se concluir que a atividade extrativista animal e vegetal também constitui atividade agrária.
2.1.6 Houve projetos de Códigos Rurais que aceitavam atividades do tipo industrial e beneficiamento como agrárias. O Estatuto da Terra também conceitua a atividade agrária incluindo estas outras atividades como a industrial e extrativista por exemplo.
2.17 Segundo o autor, a doutrina dos agraristas brasileiros certamente influenciou o legislador, e ajudou a demarcar o que é a atividade agrária, algo que ocorreu também em legislação agrária estrangeira.
A jurisprudência fixou critérios respeitando a partir dos princípios legais e doutrinários: 1. Da necessidade, 2. Da prevalência ou dominância, 3. Da autonomia, 4. Da acessoriedade, 5. Da normalidade e 6. Da ruralidade. Segue tabela definindo melhor um pouco de cada um destes critérios.
NECESSIDADE | Se apoia na ideia de que tudo o que é indispensável para o cultivo da terra passa a fazer parte da atividade agrícola. Inclui-se aí a transformação e a venda da produção obtida, se indispensáveis ao atingimento pleno dos fins a serem alcançados com o desenvolvimento da própria atividade |
PREVALÊNCIA | Em todas as situações em que a transformação ou venda se reveste de um caráter de prevalência ou dominância, a atividade será considerada como atividade industrial ou comercial, superpondo-se elas à sua ruralidade original. |
AUTONOMIA | Estabelece as balizas dentro das quais transcorre a atividade agrária, a atividade industrial e a atividade comercial, conforme possam as duas últimas realizar a transformação e a venda dos frutos obtidos na atividade agrária, com plena autonomia em relação a ela. |
ACESSORIEDADE | Quando a atividade de transformação ou venda dos produtos agropecuários se apresenta como complementar à atividade de produção rural e a gleba ou fundo não se posiciona em condições de promover ele mesmo, como seus fins essenciais, a transformação e a venda desses frutos da atividade perdem seu caráter de atividade rural para assumir a natureza de atividade industrial ou comercial. EM s |
NORMALIDADE | É aquele que define como agrária a atividade de cultivo da terra, de criação de animais e de exploração florestal. Entre nós, por força da Lei Agrária, também o extrativismo vegetal e animal, nela se incluindo atividades conexas, normais na atividade agrária, como o trabalho, o transpor o armazenamento, o beneficiamento e inclusive o processamento dos frutos da atividade. |
RURALIDADE | Se baseia na ideia de que a atividade agrária é a que pertine ao cultivo da terra, alcançando todos os atos que fazem parte da vida e dos trabalhos agrícolas. O elemento distintivo fica assim delimitado a um conteúdo espacial e funcional: viver no campo e cultivar a terra. Tal critério leva à identificação do agrário como o produtivo. |
2.2 A ATIVIDADE AGRÁRIA: CONCEITO DE ANTONIO CARROZZA
2.2.1 O professor Antonio Carrozza evidencia a necessidade de melhor definição do Direito Agrário.
2.2.2 Para Carrozza, a especialidade do Direito Agrário tem sido mais intuída do que demonstrada. Os comercialistas têm dificuldade de definir comercialidade, recorrendo ao método de exclusão: o comércio se inicia onde termina a agricultura. Isso complica o problema porque é cada vez mais difícil definir os limites da agricultura, prejudicando assim a definição de comércio. Há a necessidade de se fixar uma noção de agrariedade para delimitar melhor o objeto do Direito Agrário.
2.2.3 A expressão “agrária”, presente em vários institutos do Direito Agrário, não diferencia estes institutos de maneira substancial de suas contrapartes homólogas de outras disciplinas, inclusive do Direito Comercial.
2.2.4 A presença do fator “terra” ou “cultivo do solo” poderá ser insuficiente para considerar a matéria como agrária.
2.2.5 Não é aceitável tratar o Direito Agrário o equiparando ao Direito da Agricultura.
2.2.6 Não existe na legislação conceitos de atividade agrária que permitam ao jurista estabelecer quando determinada atividade é agrária ou não. Então vem a necessidade de a doutrina definir.
2.2.7 Carrozza lembra que estabelecer a noção de “agrariedade” por referência à Agricultura é antijurídico.
2.2.8 Na busca desse conceito de “agrariedade” apoia-se no ciclo biológico, “[...] como um processo natural, evolutivo, orgânico, não-artificial, produto da química ou da física inorgânica”.
2.2.9 A atividade seria agrária, não pelos aspectos clássicos, mas sim tendo em vista no processo como se deu a produção, com elementos da natureza (clima, temperatura, vento etc.) além da atividade humana contribuindo. “Na atividade agrária encontramos, além da capacidade organizativa do homem, aliada à técnica que este pode controlar, a ocorrência de fatores por ele incontroláveis que residem na natureza”. Por causa desta lógica, é possível concluir que atividade desenvolvida em ambientes artificiais especiais não é atividade agrária, porque as condições naturais restam superadas em tais ambientes. A agrariedade é a interferência natural na produção.
2.2.10 O professor destaca que seria um erro oferecer um critério de agrariedade com base na biologicidade apenas da produção, sem considerar o ambiente onde ocorre essa atividade.
2.2.11 “A atividade agrária, pois, decorreria de um processo natural evolutivo, orgânico, do ciclo biológico sujeito a risco. Eliminado o risco e afastado o processo biológico natural pelo recurso à química ou à física inorgânica desapareceria o caráter de agrariedade da atividade.”
2.2.12 O autor dá exemplos de produções que ora são dadas como comerciais, ora agrícolas. E aplica a definição do Professor Carrozza.
2.3 CONCLUSÃO
O Critério imaginado por Carrozza para definir agrariedade, ao ver do autor, partindo da elaboração do professor Carrerra, deve ser acolhido pela doutrina para contribuir à evolução jurídica da disciplina e ciência.
3 OPINIÃO
O texto em questão aborda a delimitação do objeto de estudo do Direito Agrário, denominado “agrariedade”. Apresenta primeiro o conceito clássico, com a posição de 3 autores distintos, que posicionam as atividades agrárias como a produção do homem em relação com a terra. Surge o problema de: até onde vai essa produção agrária e onde começa a industrial e comercial. Após apresentar a problemática e apresentar o conceito clássico, o autor apresenta a posição moderna de Antonio Carrozza, que se consiste basicamente em atribuir a natureza externa ambientar que afeta a produção, como o elemento que confere “agrariedade”. O texto é legal, bem construído e didático, traz um panorama interessante da situação atual da demarcação do objeto do Direito Agrário.
PONTOS DE DEBATE
Existem gradações de “agrariedade”? Seria uma fazenda que emprega pouca tecnologia e técnica, e que está mais sujeita aos fenômenos naturais, mais agrária do que uma produção de alta tecnologia? Portanto, um objeto de maior importância para o Direito Agrário?
Seria possível usar este critério de maneira social? Afinal grandes produtores tem uma produção mais industrializada.
PROBLEMA PRINCIPAL: O conceito introduzido pelo professor Carrozza não resolve completamente o problema, contribui para sua solução, mas não soluciona, pois ainda fica em aberto uma questão: Qual é o limite de influência externa natural necessário para algo deixar de ser objeto do Direito Agrário e virar objeto do Direito Comercial ou Industrial?
EXEMPLO: Uma fazenda hidropônica em estufa, nos termos do professor Carrozza parece não se enquadrar nos critérios do Direito Agrário. Mas e se por acaso, uma praga afetasse a fazenda hidropônica? A praga é uma questão natural externa. Teria sido a fazenda sempre objeto do Direito Agrário ou apenas após a praga a atingir? Se sim, ela sempre foi objeto do Direito Agrário, é justo serem jurisdicionados produtores familiares e produtores com técnicas modernas da mesma maneira? Se não, ela não era objeto do Direito Agrário e se tornou posteriormente, onde está a segurança jurídica?
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